quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O histórico de favorecimento e irregularidades nas licitações das urnas eletrônicas

Wilson Nélio Brumer acima; Sergio Thompson-Flores à esquerda; Paulo Camarão à direita
 
Jornal GGN - Com um histórico de polêmicas, a segurança nas urnas eletrônicas já foi apontada por inúmeros especialistas como questionável. A última inovação, o recadastramento biométrico, mostrou sua fragilidade em poucos dias de inauguração: o Tribunal Superior Eleitoral descobriu que diversos eleitores têm mais de um registro na justiça eleitoral. Ao fazer um levantamento no histórico das licitações e contratos com o TSE, a constatação: os serviços de manutenção e segurança das urnas estão, há pelo menos 14 anos, nas mãos de dois únicos consórcios. 
 
Uma auditoria realizada em janeiro de 2013, assinada pela advogada especialista em processo eletrônico eleitoral, Maria Aparecida Rocha Cortiz, mostrou que a empresa Módulo Security Solutions S/A prestava serviços de informática ao Tribunal Superior Eleitoral desde 1996, quando o sistema eletrônico foi implantado no Brasil, e que por treze anos (de 2000 a 2013) um único contrato foi firmado com infindáveis prorrogações. 
 
O relatório, que teve a coordenação da Fundação Leonel Brizola (do PDT), descobriu ainda que não foi encontrada licitação, em qualquer modalidade, envolvendo a Módulo S/A e o TSE. Os acordos foram fechados pelo método "inexibilidade de licitação", ou seja, que dispensa o processo licitatório, uma contratação de espécie ilegal, segundo a lei nº 8.666, de 1993
 
Além de concluir pelo favorecimento da companhia, a auditoria apurou os fatos ocorridos nas eleições de 2012, envolvendo os municípios de Londrina, no Paraná, e Saquarema, no Rio de Janeiro, em que foram detectadas irregularidades na prestação do serviço de instalação e segurança SIS. “O SIS monitora todo o ciclo de vida da eleição, desde os cadastros dos eleitores e dos candidatos, a geração dos bancos de dados para as urnas eletrônicas, a recepção dos resultados e a sua divulgação (...)”, explica Maria Aparecida Cortiz. 
 
Em Londrina, o “carro forte” que transportava os programas que deveriam ser instalados nas urnas eletrônicas não conseguiu chegar ao seu destino final. Outro programa adulterado foi instalado em 209 computadores da 157ª Zona Eleitoral. Com a descoberta da adulteração, uma ação foi proposta e o TSE foi informado dos acontecimentos, mas "nada fez para reverter a ineficiência da empresa Módulo, responsável pela segurança de instalação dos programas oficiais".
 
Em Saquarema, houve invasão da rede de segurança do TRE com desvio de votos legítimos. Um jovem hacker de 19 anos revelou fraudes nos resultados na Região dos Lagos, com o objetivo de mostrar — através de acesso ilegal e privilegiado à intranet da Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro — como modificou resultados, beneficiando candidatos em detrimento de outros, sem nada ser oficialmente detectado. 
 
Abaixo, um histórico feito pela auditoria nas contratações da Módulo S/A e o TSE:
 






No Portal da Transparência da Controladoria Geral da União é possível conferir os gastos diretos do governo federal para a Módulo Security Solutions S/A, não necessariamente para a segurança das urnas, mas caracterizado como "Outros Serviços" em Consultoria em tecnologia da informação. Os dados foram encontrados desde 2008.
 
 
A Modulo Security Solutions é comandada pelo empresário Sergio Thompson-Flores, que entre seus negócios, foi presidente e sócio da Infinity Bio-Energy, empresa sustentada por dinheiro de fundos estrangeiros. Em seu histórico,  entre 2006 e 2007, Thompson-Flores comprou oito usinas e anunciou a construção de outras cinco, em um ano e meio. Uma dessas parcerias ocorreu com o então fundador da Brenco - Brazil Renewable Energy Company, Henri Phillipe Reichstul, ex-presidente da Petrobras do governo Fernando Henrique Cardoso.
 
História semelhante às licitações da Módulo foi denunciada pelo Ministério Público Federal sobre a empresa Probank, encontrando cláusulas restritivas à competitividade. Em 2004, a empresa ofereceu uma proposta de R$ 43 milhóes para o serviço de suporte ao voto informatizado, valor R$ 4 milhões mais caro que a Embratel, a primeira colocada no pregão, que foi desqualificada por não ter cumprido requisitos técnicos.
 
Dois anos depois, em nova licitação, apenas duas empresas participaram da concorrência, vencendo novamente a Probank por ter oferecido a melhor proposta. Entretanto, o contrato 37/2006 custou mais que o dobro da licitação anterior: R$ 92 milhões. 
 
Durante cinco anos, de 2006 a 2011, como na Módulo, as prorrogações sucessivas ocorreram também para a Probank, ainda que a vigência do contrato inicial valia por apenas 12 meses. "A medida é considerada antieconômica pelo MPF já que, conforme o próprio TSE afirma, o custo com a manutenção preventiva das urnas soma menos de 10% do valor contratual total", afirmou, em nota, o Ministério Público. Além disso, em anos sem eleições, os valores de contratação para a empresa se mantiveram. 
 
No ano de 2006, a Probank S/A foi contratada pelo então Secretário de Informática do Tribunal Superior Eleitoral, Paulo Camarão - que esteve no cargo por quase dez anos - para os serviços de urnas. No mesmo ano, Camarão tornou-se proprietário da Probank, criando, entre outros serviços o de totalização dos votos (E-VOTE), que chegou a ser vendido ao Equador também em 2006, depois de um acordo rompido, em que o TSE forneceria 2.200 urnas brasileiras às eleições do país. 
 
Wilson Nélio Brumer foi o último proprietário da Probank, antes de decretar falência em setembro de 2013 (Processo de Falência anexo). Brumer foi secretário de Aécio Neves, na pasta de Desenvolvimento Econômico nos dois mandatos do tucano, trabalha no Comitê tucano e tem atuado como cabo eleitoral, arrecadando recursos de empresários para o candidato.
 
Entretanto, para continuar no ramo, outra empresa assumiu as contratações do TSE: a Engetec, que teve a comprovação de existência de relação administrativa com a Probank pela Justiça, em 2013, caracterizando grupo econômico, além de ter sido apontada pelo Ministério Público Federal como ligada a parentes de sócio da falida. 
 
A Engetec, por sua vez, faz parte do Consórcio ESF. Os mesmos privilégios de licitação foram constatados. Durante a concorrência de 2012, quem ganharia a licitação seria a Empresa de Pesquisas Tecnicas LTDA (Pregão anexo). Mas, a Engetec entrou com uma reclamação. Em seguida, a pregoeira afirmou: "tendo sido solicitados e examinados os documentos de habilitação do Consórcio [vencedor], a unidade técnica examinou os documentos apresentados para comprovar a qualificação técnica e após solicitar diligências nos atestados apresentados constatou que o Consórcio não atendeu os requisitos para tanto".
 
O caso foi, novamente, denunciado pelo MPF, que apurou que a exigência envolvia equipes com, no mínimo, cinco mil profissionais habilitados trabalhando em períodos simultâneos em, no mínimo, dez estados brasileiros. "O requisito foi responsável pela desclassificação de empresas que apresentaram propostas mais baratas", informou o MPF, que considerou “excessiva e inadequada” a exigência da licitação.
 
Em 2012, a Engetec foi contratada pelo valor anual de R$ 129 milhões, com possibilidade de prorrogação por até 60 meses.
 
Nas eleições deste ano, o Consórcio ESF, o mesmo que a Engetec liderava, mais uma vez utilizou manobras para tentar vencer a licitação. A empresa Smartmatic Brasil Ltda, parceira da Engetec, ofereceu o melhor valor. Mas teve a proposta rejeitada porque não apresentou alguns documentos. A segunda e a terceira colocadas também foram rejeitadas, pelo mesmo motivo, o que fez com que a licitação fosse anulada. 
 
Assim, a Smartmatic e a CTIS Tecnologia S.A (segunda colocada) entraram com recurso, sem sucesso pelo TSE. No dia seguinte, o Tribunal abriu novo licitação. Dessa vez, a CTIS Tecnologia S.A não participava e a Smartmatic (do consórcio) oferecia um valor de R$ 135.950.000, R$ 15 milhões a mais do que havia proposto na primeira concorrência. Considerando exacerbada a diferença de valores, o TSE revogou a segunda licitação, no dia 1 de julho de 2014. (Concorrências anexas)
 
Desde a anulação dessas concorrências, não foi possível encontrar no portal que registra as licitações do TSE (comprasnet.gov) a empresa que assumiu o serviço. Ainda assim, a própria Engetec afirma que foi contratada pelos TREs de sete estados (Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) para realizar o suporte técnico das Eleições 2014. E o Tribunal Superior Eleitoral ainda mantém como o último contrato de exercitação de urnas eletrônicas o firmado em 2012, com a Engetec.
 

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