quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Farsa do ‘mensalão’ cai por terra após libertação de Pizzolato "A farsa montada no maior julgamento de exceção já visto no país, desde o enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ainda no Brasil Colônia, caiu por terra na Itália..."
Por Redação, com colaboradores - de Brasília, Rio de Janeiro e Roma -Correio do Brasil
A farsa montada no maior julgamento de exceção já visto no país, desde o
enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ainda no
Brasil Colônia, caiu por terra na Itália, nesta quarta-feira, após a
libertação do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique
Pizzolato. A Ação Penal (AP) 470, batizada de ‘mensalão’ pela mídia
conservadora, não serviu ao seu objetivo primário, de promover o
impedimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou por
dois mandatos, nem atrapalhar a eleição da presidenta Dilma Rousseff,
em 2010. Agora em 2014, reconduzida a atual mandatária a um segundo
período no Palácio do Planalto, a peça jurídica fundada em um amontoado
de mentiras é desmontada e deixa exposta a sua origem golpista. Um novo
capítulo começa a ser escrito na Justiça brasileira.
Pizzolato foi libertado, após um tribunal italiano julgá-lo inocente das acusações |
Pizzolato, a exemplo dos demais réus no processo do ‘mensalão’, teve seu
nome arrastado na lama. Ao contrário dos demais, que cumprem penas em
diferenciados regimes, no país, ele preferiu apelar à Justiça da Itália,
seu segundo país natal, onde o processo foi reexaminado à luz do
direito, e não da política de extrema direita, com base nos autos
produzidos nas dependências do Judiciário brasileiro e no relatório que
usou em sua defesa.
– Eu não fugi, eu salvei minha vida. Você não acha que salvar a vida não vale a pena? – disse ao deixar a prisão, nesta manhã.
Petista histórico, Pizzolato reafirmou sua inocência:
– Tenho a consciência tranquila. Nunca perdi uma noite de sono. Fiz meu
trabalho no banco, o banco não encontrou nenhum erro no meu trabalho. O
banco sempre disse que não sumiu um centavo. Não é um banco pequeno, é o
maior banco da América Latina, é um banco que tem um enorme sistema de
controle – afirmou.
Condenado no Brasil a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção passiva,
peculato e lavagem de dinheiro, Pizzolato chegou à Itália em setembro
do ano passado e foi preso em Maranello em fevereiro deste ano. A Corte
de Apelação de Bolonha negou o pedido de extradição do governo
brasileiro e ele foi libertado. Segundo Alessandro Sivelli, advogado do
ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, a “situação das cadeias
brasileiras” foi decisiva para que a justiça italiana negasse a
extradição.
Tribunal de exceção
Segundo o relatório que Pizzolato apresentou, em sua defesa, na corte
italiana, um tribunal de exceção foi montado no Brasil com o único
objetivo de desmoralizar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
em uma clara tentativa de apeá-lo do poder antes do tempo. Embora o
estratagema tenha funcionado ao contrário, com mais um mandato popular
surgido das urnas ao líder petista, que em seguida elegeu a sucessora,
Dilma Rousseff, o STF seguiu adiante e conseguiu que o ex-ministro José
Dirceu e o deputado José Genoino (PT-SP) fossem conduzidos à prisão.
Pizzolato relata, em detalhes, as operações realizadas na campanha
política de 2002 e suas ações na diretoria de Marketing do Banco do
Brasil. No dossiê, ele contesta os documentos acatados como verdadeiros
na AP 470.
“Observem bem a data em que foi escrita a carta mentirosa do “tucano”
(Antonio Luiz Rios, ex-presidente da Visanet que hoje trabalha como
consultor para a Rede Globo de Televisão) e dirigida aos peritos da PF,
foi em 02 de fevereiro de 2006, período em que os advogados não tinham
acesso a nenhum documento. E esta carta mentirosa do “tucano” ditou,
influenciou e/ou moldou todos os pareceres, perícias e fundamentalmente a
própria “denúncia” da Procuradoria Geral da República e do Ministério
Público Federal (PGR/MPF), bem como a argumentação do relator Joaquim
Barbosa que por sua vez “convenceu” o plenário do STF. Ninguém, repito,
absolutamente ninguém, nem o PGR/MPF e nem o relator, deram-se ao
trabalho de observar a regra básica de uma relação de mercado, o
respeito ao contrato. Pois existia um contrato que normatizava a relação
da Visanet com seus sócios, os diversos bancos, sendo o maior acionista
da VISANET, o Bradesco”.
Em nove capítulos, Pizzolato também revela que, em março de 2006, quando
ainda presidia o STF o ministro Nelson Jobim, a CPMI dos Correios
divulgou um relatório preliminar pedindo o indiciamento de 126 pessoas.
Dez dias depois, em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República
já estava convencido da culpa de 40 deles. A base das duas acusações
era desvio de dinheiro público (que era da bandeira Visa Internacional,
mas foi considerado público, por uma licença jurídica não muito clara)
do Fundo de Incentivo Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que
teria corrompido a sua base aliada com esse dinheiro. Era vital para
essa tese, que transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado
em publicidade do BB e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro
público, ter um petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de
Marketing de 2003 a 2005.
Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da primeira
instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano
passado. Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados,
entre eles Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz
da 12ª Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro
do STF que decretou o sigilo.
O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para
tratamento de saúde. Na sua ausência, o requerimento do advogado teria
que ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Barbosa não
deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o
pedido quando voltasse. Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido.
Continuou o julgamento. No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena,
sem que seu advogado conseguisse ter acesso ao processo que, pelo
simples fato de existir, provava que o ex-diretor do BB não tomou
decisões sozinho – e essa, afinal, foi a base da argumentação de todo o
processo de mensalão (um petista dentro de um banco público desvia
dinheiro para suprir um esquema de compra de votos no Congresso feito
pelo seu partido).
No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do
julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a
dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de
Pizzolato. No meio da sessão, anunciou “pequenos problemas a resolver” e
mencionou um “agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já
resolvemos”. No final da sessão, voltou ao assunto, informando que
decidira sozinho indeferir o pedido, já que “ele (Pizzolato) pediu
vistas a um processo que não tramita no Supremo”.
“Pois é”
O único ministro que questionou o assunto, por não acreditar ser o
assunto tão banal quanto falava Barbosa, foi Marco Aurélio Mello.
Mello: “O incidente (que motivou o agravo) diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?”
Barbosa: “Não”.
Mello: “É um processo que ainda está em curso, é isso?”
Barbosa: “São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso.”
Mello: “Pois é, mas teríamos que apregoar esse outro processo que ainda
está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está
praticamente encerrado, não é?”
Barbosa: “É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação…”
Mello: “Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação Penal
nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios.”
Barbosa: “Pois é. Mas enfim, eu estou indeferindo.”
Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o processo,
e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para embargos
futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre com um
“indeferi”, “neguei”. O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa,
sob o argumento de que quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz
da 12ª Vara. O advogado apenas consegui vistas ao processo no DF no dia
29 de abril, quando já não havia mais prazo recursório.
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