8/10/2013
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Libra não é só
petróleo
Em todo mundo o discurso conservador
subsiste em estado comatoso. O empenho é para injetar sobrevida ao defunto,
resistir e desgastar o anseio de mudança.
por: Saul Leblon
Em todo o
mundo o discurso conservador subsiste em estado comatoso desde o colapso da
ordem neoliberal, em 2008. O empenho é para injetar sobrevida ao
defunto, resistir e desgastar o anseio de mudança. Até que se generalize o
descrédito nos partidos, na luta pelo desenvolvimento e no aprofundamento da
democracia política e econômica, como instrumento de emancipação histórica e
social.
A ascensão da Frente Nacional Fascista na França é um sintoma (leia a reportagem de Eduardo Febbro; nesta pág). Outro, o poder de uma falange, como o Tea Party, de empurrar até perto do abismo fiscal a nação mais poderosa da terra. São manifestações mórbidas recorrentes. Que afrontam o anseio da mudança instalado no coração da sociedade pela maior crise capitalista desde 1929.
Quando o extraordinário acontece, as lentes da rotina já não conseguem explicar a vida. A ‘redescoberta’ de Marx, analisada por Emir Sader nesta pág (leia o blog do Emir), é um sintoma do anseio por um novo foco. É mais que uma redescoberta intelectual. Essa é a hora em que o preconceito histórico inoculado contra o socialismo perde força. Até nos EUA.
Uma pesquisa feita pela Pew Research, no final de 2011, tentou medir esse ponto de mutação. Os resultados foram significativos:
a) na faixa etária entre 19 e 28 anos a menção ao ‘socialismo’ encontra receptividade favorável entre 49% dos jovens norte-americanos (entre 43% ela é negativa).
b) entre a população negra – açoitada pela crise - os dados são ainda mais expressivos: respectivamente 55% de aprovação ; 36%, rejeição.
c) a mesma medição, agora para ‘capitalismo’, obteve os seguintes percentuais nos grupos mencionados: 46% e 47%, entre os jovens; e 41% favorável e 51% negativo, entre os negros.
A informação consta de um artigo de Michelle Goldberg, cuja íntegra será publicada nesta página. A liquefação da agenda neoliberal e do preconceito anti-socialista não amenizam a responsabilidade de se erguer linhas de passagem críveis ao passo seguinte da história. No caso brasileiro, a operação envolve agravantes de singularidade e circunstância.
Em primeiro lugar, a responsabilidade de ser governo. Portanto, mais que nunca, de erguer pontes que partam da correlação de força existente para superá-las, sem risco de regressão.
Em segundo lugar, os sinais de desgaste na confortável pista incremental, pela qual o país tem transitado para responder a desafios seculares com avanços específicos .
Um terceiro agravante: o crepúsculo de um ciclo internacional de alta da liquidez e dos preços das commodities. A inflexão externa adiciona percalços à renovação do motor do desenvolvimento brasileiro.
Quarto, os capitais e os grandes oligopólios não estão parados. O colapso financeiro acelerou a descentralização produtiva que define a nova morfologia da industrialização no mundo. Travada pelo câmbio desfavorável, a manufatura brasileira ficou de fora do novo arranjo global das cadeias de tecnologia e suprimento.
O país não resgatará sua competitividade sem recuperar o terreno perdido nessa área. A flacidez industrial rebaixa a produtividade sistêmica da sua economia. Com efeitos regressivos na geração dos excedentes indispensáveis à convergência da riqueza . É nesse horizonte de mutações e desafios que deve ser analisado um acontecimentos que divide o campo progressista brasileiro. O leilão de Libra.
A mega-reserva do pré-sal, capaz de conter acumulações equivalentes a até 13 bilhões de barris de petróleo e gás, deve ser leiloada na próxima 2ª feira (21). Democratas e nacionalistas sinceros divergem. Petroleiros vão à greve.
Defende-se que a Petrobrás assuma sozinha a tarefa de extrair uma riqueza guardada no fundo do oceano que pode conter até 100 bilhões de barris.
A Petrobras tem o domínio da tecnologia para fazê-lo. É quem foi mais longe nessa expertise em todo o mundo.
Mas não dispõe dos recursos financeiros para acionar esse trunfo na escala e no tempo imperativo. Paradoxalmente, em boa parte, porque cumpriu seu papel de estatal na luta pelo desenvolvimento. Os preços dos combustíveis no Brasil foram congelados pelo governo como instrumento de controle da inflação. Durante anos. Sob protesto da república dos acionistas , cuja pátria é o dividendo. E nada mais.
Secundariamente, o leilão será feito porque o governo necessita também de recursos para mitigar a conta fiscal de 2013. Ademais do peso dos juros no orçamento federal – exaustivamente criticado por Carta Maior - o Estado, de fato, realizou pesados dispêndios este ano e nos anteriores.
Em ações contracíclicas para impedir a internalização da crise mundial no Brasil. O conservadorismo reprova acidamente essas escolhas. Solertes entreguistas, súbito, pintam-se de verde-amarelo em defesa da estatal criada por Vargas. A emissão conservadora alveja o que chama de ‘ uso político da Petrobras e da receita pública’ para financiar ‘ações populistas’ , que não corrigem as questões estruturais do país. A alternativa martelada é a ‘purga’ saneadora.
Contra a inflação, choque de juros (muito superior ao que se assiste). Contra o desequilíbrio fiscal, cortes impiedosos na ‘gastança’. Qual? Qualquer gasto público destinado a fomentar o desenvolvimento, financiar a demanda, reduzir a pobreza e combater a desigualdade. O ponto é: sem agir a contrapelo dos interditos conservadores, desde 2008, o Brasil teria hoje um governo progressista?
Subsistiria ao cerco de 2010 contra Lula e Dilma? Ou da terra ‘semeada’ pela recessão e o desemprego emergiria a colheita devastadora? José Serra, que, ato contínuo, reverteria a regulação soberana do pré-sal, como, aliás, prometera à Chevron. O governo fez a escolha oposta. O resto é a história dos dias que correm.
Ao decidir pelo leilão de Libra está dobrando a aposta. Qual seja: mais importante que adiar Libra para um futuro de hipotética autossuficiência exploratória, é aceitar a participação de terceiros, mas preservar e colher, antes, o essencial. O essencial são os impulsos industrializantes embutidos na regulação soberana das maiores reservas descobertas neste século em todo o planeta.
Um exemplo resume todos os demais. O Brasil hospeda a maior concentração de plataformas submarinas do mundo. Uma em cada cinco unidades existentes está a serviço da Petrobrás. Em dez anos, essa proporção vai dobrar. Assim como dobra a produção prevista de petróleo em sete anos: dos atuais 2 milhões de barris/dia para 4,5 milhões b/d.
Entre uma ponta e outra repousa a chance de a industrialização brasileira engatar um salto tecnológico e de escala, ancorado nas encomendas e encadeamentos do pré-sal. Emprego, produtividade, salários e direitos sociais estão em jogo nesse salto. A convergência sonhada entre a democracia política, a democracia social e a democracia econômica depende, em parte, do êxito desse aggiornamento industrializante da economia brasileira.
O leilão do dia 21 é um pedaço dessa aposta. Que tem a torcida adversa daqueles que não enxergam nenhuma outra urgência no horizonte do desenvolvimento brasileiro, em plena agonia da ordem neoliberal. Exceto recitar mantras do defunto. Na esperança de ganhar tempo para que o desalento faça o serviço sujo: desmoralizar a política e interceptar o salto histórico do discernimento social brasileiro.
Uma retração econômica redentora cuidaria do resto, injetando disciplina nas contas fiscais e ordem no xadrez político. Para, enfim, providenciar aquilo que as urnas sonegam: devolver a hegemonia do país a quem sabe dar ao ‘progresso’ o sentido excludente e genuflexo que ele sempre teve por aqui.
A ascensão da Frente Nacional Fascista na França é um sintoma (leia a reportagem de Eduardo Febbro; nesta pág). Outro, o poder de uma falange, como o Tea Party, de empurrar até perto do abismo fiscal a nação mais poderosa da terra. São manifestações mórbidas recorrentes. Que afrontam o anseio da mudança instalado no coração da sociedade pela maior crise capitalista desde 1929.
Quando o extraordinário acontece, as lentes da rotina já não conseguem explicar a vida. A ‘redescoberta’ de Marx, analisada por Emir Sader nesta pág (leia o blog do Emir), é um sintoma do anseio por um novo foco. É mais que uma redescoberta intelectual. Essa é a hora em que o preconceito histórico inoculado contra o socialismo perde força. Até nos EUA.
Uma pesquisa feita pela Pew Research, no final de 2011, tentou medir esse ponto de mutação. Os resultados foram significativos:
a) na faixa etária entre 19 e 28 anos a menção ao ‘socialismo’ encontra receptividade favorável entre 49% dos jovens norte-americanos (entre 43% ela é negativa).
b) entre a população negra – açoitada pela crise - os dados são ainda mais expressivos: respectivamente 55% de aprovação ; 36%, rejeição.
c) a mesma medição, agora para ‘capitalismo’, obteve os seguintes percentuais nos grupos mencionados: 46% e 47%, entre os jovens; e 41% favorável e 51% negativo, entre os negros.
A informação consta de um artigo de Michelle Goldberg, cuja íntegra será publicada nesta página. A liquefação da agenda neoliberal e do preconceito anti-socialista não amenizam a responsabilidade de se erguer linhas de passagem críveis ao passo seguinte da história. No caso brasileiro, a operação envolve agravantes de singularidade e circunstância.
Em primeiro lugar, a responsabilidade de ser governo. Portanto, mais que nunca, de erguer pontes que partam da correlação de força existente para superá-las, sem risco de regressão.
Em segundo lugar, os sinais de desgaste na confortável pista incremental, pela qual o país tem transitado para responder a desafios seculares com avanços específicos .
Um terceiro agravante: o crepúsculo de um ciclo internacional de alta da liquidez e dos preços das commodities. A inflexão externa adiciona percalços à renovação do motor do desenvolvimento brasileiro.
Quarto, os capitais e os grandes oligopólios não estão parados. O colapso financeiro acelerou a descentralização produtiva que define a nova morfologia da industrialização no mundo. Travada pelo câmbio desfavorável, a manufatura brasileira ficou de fora do novo arranjo global das cadeias de tecnologia e suprimento.
O país não resgatará sua competitividade sem recuperar o terreno perdido nessa área. A flacidez industrial rebaixa a produtividade sistêmica da sua economia. Com efeitos regressivos na geração dos excedentes indispensáveis à convergência da riqueza . É nesse horizonte de mutações e desafios que deve ser analisado um acontecimentos que divide o campo progressista brasileiro. O leilão de Libra.
A mega-reserva do pré-sal, capaz de conter acumulações equivalentes a até 13 bilhões de barris de petróleo e gás, deve ser leiloada na próxima 2ª feira (21). Democratas e nacionalistas sinceros divergem. Petroleiros vão à greve.
Defende-se que a Petrobrás assuma sozinha a tarefa de extrair uma riqueza guardada no fundo do oceano que pode conter até 100 bilhões de barris.
A Petrobras tem o domínio da tecnologia para fazê-lo. É quem foi mais longe nessa expertise em todo o mundo.
Mas não dispõe dos recursos financeiros para acionar esse trunfo na escala e no tempo imperativo. Paradoxalmente, em boa parte, porque cumpriu seu papel de estatal na luta pelo desenvolvimento. Os preços dos combustíveis no Brasil foram congelados pelo governo como instrumento de controle da inflação. Durante anos. Sob protesto da república dos acionistas , cuja pátria é o dividendo. E nada mais.
Secundariamente, o leilão será feito porque o governo necessita também de recursos para mitigar a conta fiscal de 2013. Ademais do peso dos juros no orçamento federal – exaustivamente criticado por Carta Maior - o Estado, de fato, realizou pesados dispêndios este ano e nos anteriores.
Em ações contracíclicas para impedir a internalização da crise mundial no Brasil. O conservadorismo reprova acidamente essas escolhas. Solertes entreguistas, súbito, pintam-se de verde-amarelo em defesa da estatal criada por Vargas. A emissão conservadora alveja o que chama de ‘ uso político da Petrobras e da receita pública’ para financiar ‘ações populistas’ , que não corrigem as questões estruturais do país. A alternativa martelada é a ‘purga’ saneadora.
Contra a inflação, choque de juros (muito superior ao que se assiste). Contra o desequilíbrio fiscal, cortes impiedosos na ‘gastança’. Qual? Qualquer gasto público destinado a fomentar o desenvolvimento, financiar a demanda, reduzir a pobreza e combater a desigualdade. O ponto é: sem agir a contrapelo dos interditos conservadores, desde 2008, o Brasil teria hoje um governo progressista?
Subsistiria ao cerco de 2010 contra Lula e Dilma? Ou da terra ‘semeada’ pela recessão e o desemprego emergiria a colheita devastadora? José Serra, que, ato contínuo, reverteria a regulação soberana do pré-sal, como, aliás, prometera à Chevron. O governo fez a escolha oposta. O resto é a história dos dias que correm.
Ao decidir pelo leilão de Libra está dobrando a aposta. Qual seja: mais importante que adiar Libra para um futuro de hipotética autossuficiência exploratória, é aceitar a participação de terceiros, mas preservar e colher, antes, o essencial. O essencial são os impulsos industrializantes embutidos na regulação soberana das maiores reservas descobertas neste século em todo o planeta.
Um exemplo resume todos os demais. O Brasil hospeda a maior concentração de plataformas submarinas do mundo. Uma em cada cinco unidades existentes está a serviço da Petrobrás. Em dez anos, essa proporção vai dobrar. Assim como dobra a produção prevista de petróleo em sete anos: dos atuais 2 milhões de barris/dia para 4,5 milhões b/d.
Entre uma ponta e outra repousa a chance de a industrialização brasileira engatar um salto tecnológico e de escala, ancorado nas encomendas e encadeamentos do pré-sal. Emprego, produtividade, salários e direitos sociais estão em jogo nesse salto. A convergência sonhada entre a democracia política, a democracia social e a democracia econômica depende, em parte, do êxito desse aggiornamento industrializante da economia brasileira.
O leilão do dia 21 é um pedaço dessa aposta. Que tem a torcida adversa daqueles que não enxergam nenhuma outra urgência no horizonte do desenvolvimento brasileiro, em plena agonia da ordem neoliberal. Exceto recitar mantras do defunto. Na esperança de ganhar tempo para que o desalento faça o serviço sujo: desmoralizar a política e interceptar o salto histórico do discernimento social brasileiro.
Uma retração econômica redentora cuidaria do resto, injetando disciplina nas contas fiscais e ordem no xadrez político. Para, enfim, providenciar aquilo que as urnas sonegam: devolver a hegemonia do país a quem sabe dar ao ‘progresso’ o sentido excludente e genuflexo que ele sempre teve por aqui.
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